Por Frei Jacir de Freitas
“Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.”Esse é um pensamento bíblico que vem do livro do Deuteronômio (Dt 8,3). Jesus cita-o para contrapor ao diabo que pede que Ele transforme pedras em pão se é que ele era Filho de Deus (Mt 4,4). O que Jesus quis dizer com isso? Por que a CF 2023 está sendo combatida de forma desonesta por cristãos de extrema direita, somente porque ela trata da fome cotidiana de mais de 30 milhões de brasileiros?
Jesus não estava querendo dizer que não é preciso dar de comer a quem tem fome, tampouco que o dever do cristão ou da Igreja é de cuidar da alma e não do corpo. Quando o povo estava no deserto passando fome, Deus lhes deu o maná, o pão, para dizer ao povo que acreditasse na sua Palavra que o libertou da escravidão do Egito. O pão oferecido foi a certeza de que a Palavra de Deus é fiel.
No deserto, lugar da terra sem pão, e sendo tentado pelo Diabo, Azazel, o demônio do deserto, Jesus, o novo Moisés, afirma que o que sai da boca de Deus é a sua palavra. A boca de Jesus é a boca de Deus. A Palavra que sai de ambas é a mesma. Mais tarde, assim como o Pai, Jesus multiplica pães e peixes para os famintos e conclama os seus discípulos a dividir o pão (Mc 6,30-44). Tarefa repassada para nós.
Aqueles que atacam a proposta da CF de refletir sobre a criminosa situação da fome, como afirmou o Papa Francisco, agem como Diabos que dividem e mutilam o evangelho. Não se trata de partidarismo político! Tampouco de comunismo. É Evangelho vivo! Por que será que a fome incomoda tanto esses que se dizem cristãos defensores da tradição? Seria ódio aos pobres? Os dados sobre a situação da fome no Brasil são estatísticos, reais. Fora da realidade é a proposta de cristãos ultraconservadores do grupo intitulado “Centro Dom Bosco”, que propõe como tema da CF: “Fora da Igreja não há salvação”. Essa frase, dita por Santo Irineu, no ano 180, causou divisões na Igreja por entender que os outros grupos de cristãos eram ladrões e assaltantes. Retomar essa ideia é voltar a um passado superado. É não sair da sacristia para evangelizar, como pede o Papa Francisco. Libertar o corpo da fome é o mesmo que salvar a alma. Mãos à obra. Contribuamos para acabar com a fome no mundo, no nosso país. Lutemos por políticas públicas que acabem com as desigualdades sociais, tendo a Palavra de Deus como a bússola que nos orienta, pois a luta contra a fome não é questão simplesmente religiosa, mas de direitos humanos.
Foto: Divulgação.
Frei Jacir de Freitas Faria é Frade Franciscano da Ordem dos Frades Menores e Presbítero. Estudou no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, onde obteve o título de Mestre em Ciências Bíblicas. Doutor em Teologia pela Faje (BH). Complementou os seus estudos no México e Israel, onde fez, respectivamente, cursos de Leitura Popular da Bíblia, Arqueologia, Geografia e Topografia de Israel e Jordânia. Pesquisador da literatura apócrifa, os 180 livros que não foram reconhecidos como inspirados pela Igreja, Frei Jacir tem contribuído para a pesquisa e compreensão dessa literatura de forma crítica e ecumênica. Sobre essa temática, o seu último livro é: O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte. Petrópolis: Vozes. Professor de Exegese bíblica. Foi reitor do Instituto São Tomás de Aquino (ISTA/BH) e Diretor Geral e Pedagógico dos Colégios Santo Antônio e Frei Orlando, ambos em Belo Horizonte (MG). Avaliador Institucional do MEC. Membro efetivo, ocupante da cadeira nº 20 da Academia Divinopolitana de Letras, bem como da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Tem publicado 25 livros, sendo um como organizador, dez autoria e quatorze em coautoria. Tem publicado mais 200 artigos em revistas e jornais.